A racialização do cotidiano é uma realidade cuja reversão, por paradoxal que pareça, passa pelo reconhecimento – e não pela negação ingênua – do fator racial como marcador social da diferença.
Gustavo Venturi, em artigo na Teoria e Debate
1. Desde sua origem o Partido dos Trabalhadores vem programaticamente incorporando a temática racial como componente indispensável na luta pela emancipação da classe trabalhadora e para superação das desigualdades motivadas pela cor da pele. No governo Lula, há um inquestionável crescimento do debate da questão racial na sociedade, nas instituições e, sobretudo, no interior do Estado brasileiro. Nenhum governo na história da República ousou e materializou tantos mecanismos públicos de promoção da igualdade racial como o Governo Lula, embora existam exigências de aperfeiçoamento nas modalidades adotadas pelo Governo Federal.
2. Os negros e negras petistas têm sido firmes na perspectiva de consolidar uma “cultura petista anti-racista”, lutando internamente pelo reconhecimento de um espaço de poder, que incida sobre o projeto estratégico do partido.
Não se pode pensar em um projeto de combate à pobreza no Brasil desconsiderando as desigualdades raciais, já que estas estão presentes em todo tecido social brasileiro.
3. Compreendemos que as políticas universalistas do Governo Lula, de caráter redistributivas, são vitais para a população negra, mas há necessidade de se adotar ações estruturantes de natureza emancipatória que beneficiam esta população e que apontem para a superação do ciclo de dependência das iniciativas de governo.
4. No decorrer do Governo Lula surgiu de forma vertiginosa por todo o Brasil dezenas de organismos públicos de promoção da igualdade racial e, dessa forma, vai se ampliando na agenda pública a questão racial. Embora esta agenda seja fortemente influenciada pela temática racial, sua consolidação tem encontrado percalços institucionais de difícil mediação. Como exemplo podemos citar os organismos de Promoção da Igualdade Racial (PIR) que, com raras exceções, têm funcionado precariamente, sem o apoio político desejável e sem os recursos estruturantes necessários para o exercício eficiente das políticas públicas. Assim, há a necessidade de superar o paradoxo entre o compromisso programático e o desalinhamento político e orçamentário. É um grande desafio para os seus dirigentes e os gestores públicos petistas aplicarem práticas de governos que resultem em benefícios específicos para os afrodescendentes. É importante pontuar a importância dessas políticas afirmativas para as sociedades, cuja história se caracterizou pela presença da escravidão ou por práticas discriminatórias legalmente instituídas e defendidas pelo Estado. A ação afirmativa ou discriminação positiva para estas sociedades tornaram-se objetos fundamentais para combater as desigualdades e para produzir um igualitarismo social de tipo renovado.
O Partido dos Trabalhadores deverá optar pela defesa intransigente de uma concepção interventiva de Estado que combata as desigualdades raciais. Trata-se de uma “inovação na forma petista de combater o racismo”, pois é o reconhecimento de tratar os desiguais desigualmente.
5. O racismo brasileiro é de natureza estrutural, portanto, têm uma dimensão nacional que perpassa a educação, a cultura, a economia, a política e todas as dimensões da sociedade. Sendo assim, não cabem apenas às organizações do Movimento Negro a responsabilidade de propor, fiscalizar e monitorar a execução de políticas de eliminação do racismo, mas ao conjunto do governo e demais instituições da sociedade civil. Cabe afirmar que a democratização da sociedade e do Estado brasileiro, compõe parte do projeto estratégico do PT rumo ao socialismo, mas cabe ao PT responder se na construção desse processo há espaço para a afirmação das identidades, para o alinhamento às ações afirmativas e para um projeto de desenvolvimento que possa combater as desvantagens materiais e simbólicas acumuladas pelos negros na sociedade brasileira.
6. Resumindo, é necessário não só dar continuidade, mas também priorizar as políticas no campo de combate às desigualdades sócio-raciais, o desenvolvimento de políticas sociais afirmativas dos direitos da população negra e a ampliação dos recursos orçamentários e humanos para o sucesso dessas iniciativas. Para isso é necessário e fundamental o compromisso do Partido dos Trabalhadores com as lideranças negras, que em sua base partidária constitui-se de militantes negros (as) em número suficiente para ter representatividade em todas as instâncias de direção, acabando com a lógica da exclusão, aprofundando, dessa forma o debate sobre a temática racial e incorporando a agenda de combate ao racismo tanto internamente quanto no Programa de Governo.
COMBATER O RACISMO E PROMOVER A IGUALDADE RACIAL
O principal desafio para a o Governo Democrático e Popular é incluir a população negra no ciclo de desenvolvimento social e econômico como sujeito ativo, superando assim, as marcas negativas que os projetos de desenvolvimento carregaram ao longo dos mais de 500 anos em que as classes dominantes governaram o Brasil.
1. O combate ao racismo não pode ser desenvolvido por um único órgão, ou instância, seja ela qual for, com políticas isoladas do eixo estratégico de atuação da gestão democrática popular. O conteúdo anti-racista deve se revelar na globalidade da ação administrativa e nas iniciativas políticas do poder, inclusive no plano simbólico das representações e percepções presentes no imaginário popular sobre o poder administrativo e seu exercício:
a) Garantir a representação proporcional dos grupos étnico-raciais nos órgãos colegiados, comissões e nas campanhas de comunicação do governo, de forma que atenda gradativamente a realidade da composição étnico-racial dos estados e municípios;
b) Ampliar e aprofundar mecanismos permanentes de dialogo com as entidades do movimento negro, respeitando sua autonomia, para elaborar políticas publicas que busquem elevar a qualidade de vida da população negra.
c) Segundo o mapa da violência 2010 – Anatomia dos Homicídios no Brasil, organizado pelo Instituto Sangari, entre 1997 e 2007 – 512,2 mil pessoas foram vítimas de homicídios. Os maiores índices se concentram entre os jovens na faixa de 15 aos 24 anos, que embora representassem 18,6% da população do país em 2007, ele concentravam 36,6% dos homicídios ocorridos nesse ano. Este mesmo mapa mostra que acima de 90% das vítimas de homicídios no país são homens e que a cada 10 mortos, 7 são jovens negros.
d) Pensar um projeto de desenvolvimento para o Brasil perpassa por garantir a vida daqueles e daquelas que gozarão deste desenvolvimento no futuro tendo como estratégia a radicalização das políticas inclusivas de educação, da fundação de uma nova forma de pensar as políticas de segurança pública e com a garantia do protagonismo da juventude negra no processo de desenvolvimento. Esta preocupação deve ocupar espaço central na formulação política do programa para o futuro governo da companheira Dilma Roussef.
Investimentos, crédito, ciência e inovação tecnológica a serviço de um novo desenvolvimento.
2. Articular os Ministérios de Ciência e Tecnologia, Educação, MDIC, Agricultura e Pecuária, Desenvolvimento Agrário, Aquicultura e Pesca, Universidades e Institutos Científicos com setores empresariais para, por meio da FINEP e de outras instituições, implementar e aprofundar políticas industriais e agrícolas que dêem ênfase à inovação nas pequenas e médias empresas, nas iniciativas de economia solidária e em empreendimentos agroindustriais combinados com ações de reforma agrária.
a) Desenvolver com o SEBRAE, Universidades Públicas e as Redes de empreendedores e empresários afro-brasileiros, a formação e capacitação dirigida aos empreendedores negros (as);
b) Construir em parceria com BNDES, Banco do Brasil, CEF e Bancos de desenvolvimento regional, programas experimental de apoio a iniciativas de empreendedores afro-brasileiros.
Educação de qualidade, ciência e tecnologia para construir uma sociedade do conhecimento com inclusão étnico-racial.
3. Na educação básica, a implementação das Leis 10.639/03 e da 11.645/08, que já contam atualmente com um Plano Nacional, são fundamentais para o êxito da política de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial, portanto, a formação e capacitação continuada de professores; a elaboração de material didático-pedagógico multidisciplinar são imprescindíveis. Articular a construção e manutenção de centros educacionais, esportivos e culturais, com a função de preservar e difundir o patrimônio imaterial das culturas africanas, afro-brasileira e dos povos indígenas. Buscar mecanismos para que as políticas públicas de educação escolar dos povos indígenas respeitem e implementem o direito de autodeterminação e a autonomia desses povos para buscar livremente o desenvolvimento social e cultural, nos termos dos artigos 3º, 4º e 5º da Declaração da ONU sobre Direitos Indígenas e do artigo 6º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Apesar da importância do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares da lei 10.639/03, precisamos incluir nele as metas a serem alcançadas e as condições orçamentárias para atingi-las.
4. Criar mecanismos para aprovação da política de cotas para a população negra, indígena e estudantes da Rede Pública no ingresso às universidades públicas federais e estaduais, inclusive nos cursos de pós-graduação, lato e strictu senso, bem como nas escolas e institutos federais, estaduais e concursos públicos.
Fortalecer o Programa Brasil Quilombola, pactuando novas bases de gestão para agilizar a titulação das terras dos remanescentes de quilombos.
5. Ampliar as políticas de acesso a terra para todos os trabalhadores no campo, comunidades negras rurais e famílias negras. Além disso, é preciso reconhecer que o déficit habitacional da população negra é bem maior que o geral da sociedade, inclusive que o dos brancos pobres. Este déficit faz parte da dívida histórica que precisa ser resgatada pelo Estado brasileiro.
O crescimento acelerado e o combate às desigualdades raciais, sociais e regionais e a promoção da sustentabilidade ambiental serão o eixo que vai estruturar o desenvolvimento econômico.
6. Ampliar os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador via os Planos Nacionais, para fortalecer os trabalhadores empregados e desempregados negros e negras. Os recursos do Pré-sal também devem contribuir para a superação da dívida histórica do Estado brasileiro com a população negra do nosso país.
7. A reforma trabalhista ainda em discussão deve fazer justiça e igualar as trabalhadoras domésticas ao conjunto da classe trabalhadora por ser de inteira justiça.
Fomentar políticas públicas voltadas a ações de reafirmação de identidade cultural pluriétnica e multirracial.
8. Garantir o cumprimento dos instrumentos jurídicos já existentes de combate à descaracterização dos valores culturais afro-brasileiros, visando o fortalecimento e reconhecimento das religiões de matriz africana e afro-brasileira como patrimônio imaterial cultural e religioso.
Na política internacional é fundamental definir uma agenda comum com os países africanos e latino-americanos para combater os efeitos da escravidão, do colonialismo, do neoliberalismo e da globalização.
9. Garantir a incorporação do recorte étnico-racial aos programas e ações do estado brasileiro na área das relações internacionais;
10. institucionalizar programas de intercambio acadêmico e cultural entre jovens brasileiros de descendência africana e indígena, como forma de incentivar o conhecimento mútuo de cada realidade socioeconômica e cultural.
11. Monitorar o cumprimento de acordos e convenções internacionais assinadas pelo Brasil, no que diz respeito à promoção da igualdade racial e ao combate ao racismo.
As políticas de promoção da igualdade racial estão gradativamente desfazendo o pacto tácito da falsa democracia racial, o movimento social negro convenceu amplos setores da sociedade brasileira que o racismo estrutura as relações sociais, hierarquiza, concentra renda e amplia as desigualdades econômicas e políticas.
12. A estratégia de curto, médio e longo prazo, e consolidar em todos os 5.564 municípios da Federação, nos 26 Estados e Distrito Federal, políticas de promoção da igualdade racial. Este processo vai sistematicamente garantido um Sistema Integrado e articulado de Promoção da Igualdade Racial, é a consolidação de uma política de Estado ao alcance da população negra e de todos os brasileiros.
13. As administrações públicas petistas, os seus gestores e gestoras deverão garantir a infraestrutura necessária, os recursos humanos e os equipamentos essenciais, com a criação de órgãos gestores específicos para o estabelecimento e desenvolvimento eficiente das políticas públicas de defesa e promoção da igualdade racial no âmbito dos governos petistas.
Democracia e desenvolvimento não combinam com racismo. Temos a firme convicção política de que a consolidação do projeto democrático popular no Brasil só se dará com o enfrentamento firme do racismo com adoção de políticas públicas de promoção da igualdade.
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